Também postarei aqui um texto sobre Gawazze. Os créditos são os mesmos do post anterior!!
"As
ghawazee são as dançarinas públicas existentes no Egito. Hoje em dia se
usa o termo ghawazee pra qualquer dançarina que se apresente em eventos
ao ar livre, como casamentos de pessoas simples ou festivais
religiosos. Durante algum tempo, mesmo no ápice do período islãmico
clássico, de 800 ac até 1300 ac, o termo ghawazee, que pode ser
traduzido como " invasores do coração", provavelmente se referia as
dançarinas livres que se apresentavam publicamente e aos cantores
pertencentes ao Nawar (descendentes dos ciganos Romanis que teriam
migrado para o sul do Egito), na área rural durante a Idade Média.
Instrumentos musicais antigos como Mijwiz (espécie de flauta) e o Rebab
ou Rabeb (espécie de violino), -representados nas paredes de tumbas
egípcias, são ainda hoje utililizados pelos músicos Nawar. Os movimentos
das ghawazee, assim como sua música tradicional, não parecem ter se
modificado com o tempo. É como se pouco ou nada tivesse sido tocado pela
modernidade.
Nos
últimos 20 anos, uma família de músicos e dançarinas do sul do Egito se
tornou famosa. As Banaat Maazin, ou literalmente "filhas de Maazin",
têm sido dançarinas por gerações e são muito conhecidas por seu estilo
peculiar. Elas aprenderam a dança por suas mães e avós. O patriarca,
Yusef Maazin, morreu há muitos anos atrás, e agora apenas Khairecya, a
mais nova das filhas de Maazin, ainda se apresenta. Suas irmãs e primas
se casaram (o que geralmente encerra a carreira de uma dançarina) ou se
aposentaram por outra série de razões, incluindo a falta de trabalho em
função da pressão exercida pelo ressurgimento dos grupos
fundamentalistas muçulmanos. Como Yusef não tinha filhos para se
tornarem músicos ou gerenciarem as dançarinas perpetuando os negócios da
família, é possível que a tradição oral deste estilo de dança também
pode desaparecer porque as filhas se recusam a aceitar que suas crianças
cresçam na mesma profissão familiar.
Em
sua forma típica de dança folclórica Egípcia, a seqüência ghawazee não é
coreografada, em lugar disso, as dançarinas usualmente tocam snujs e os
músicos seguem um programa musical familiar que não tem uma estrutura
fixa, com configurações típicas de dança, intercaladas com esquemas de
entretenimento, como por exemplo ter um Rabeb colocado sobre o peito da
bailarina enquanto está sendo tocado. As dançarinas freqüentemente
imitam as danças tradicionais masculinas, como o tahteeb (origem do said
feminino), danças de luta ou mesmo a dança dos cavalos, brincando
durante sua dança com um bastão ou bengala.
Em
casamentos e festivais, as ghawazee muitas vezes dançam em grupo,
formado por pessoas da sua própria família. Quando existe a
possibilidade, dançam sobre pequenos palcos e até mesmo nas mesas. As
vezes se revezam dançando sózinhas ou em pares, ou em pequenos grupos
que se modificam em sua formação durante o decorrer da dança. Apesar da
dança ser ao vivo, os movimentos são muito relaxados e ambos, músicos e
dançarinas, se mesclam muito bem. As apresentações em casamentos podem
durar de seis a oito horas, e os artistas descansam muito pouco durante
todo o tempo.
Tenho
sido uma estudante de dança oriental desde 1988, estudei dança
tradicional do oriente Médio e também danças folclóricas do norte da
África com inúmeros professores conhecidos nacionalmente por terem
viajado para o Egito e visto as danças em sua forma autêntica em
casamentos ou festivais religiosos - como o mawalid - Estes instrutores
incluem, Barbara Siegel (Habiba), Sandra Shore (Cassandra) e Zahara
Zuhair. Sou também muito sortuda por ter tido a oportunidade de ter
visto a dança ao vivo. Numa viagem a Turquia e Egito em 1996, enquanto
estava em Luxor, eu assisti a uma aula de dança seguida de uma
apresentação com Khairecya Maazin.
Khairecya
contratou um grupo de 4 músicos para aquele dia, tivemos dois
percussionistas tocando tabla e tabla baladi, e dois rebabs.
Provavelmente o melhor exemplo de música do interior do alto Egito é
disponível em fita cassete e cd, pelo famoso músico saidi Metqal Kanawe e
sua banda. Instrumentos típicos da região incluem o que conhecemos pelo
nome de derbak, Tabl baladi ou Tabel, mizmar, snujs e Rebab. Ela
acompanhava os músicos enquanto dançava com seus snujs, tocando acentos
simples, ou triplos, e combinações múltiplas em qualquer seqüência que
ela quisesse. Entre as ghawazee os snujs são tocados improvisadamente,
para dar base as frases de ritmo,muito raramente são utilizados para
iluminar ou tornar mais claros a melodia. Snujs são instrumentos de
percussão, geralmente utilizados para auto acompanhar a própria
bailarina e nunca deveriam ser usados por propósitos visuais. Ghawazee
que não é fluente com o instrumento simplesmente não o utiliza!
Khaireeya
não ensinava os passos quebrando em pedaços didaticamente como as
professoras ocidentais, mas simplesmente ia através deles com a música.
Pela maior parte do tempo ela costumava manter o shimmie vibrando,
parada ou em movimento enquanto sobrepunha os mesmos a um outro
movimento de quadril. Ocasionalmente adicionava outros passos como
shimmies com os ombros, ou deslizamentos de cabeça ou até mesmo pisava o
chão para enfatizar os acentos da música.
Khaireeya
freqüentemente trocava seus passos meio largos para seguir mudanças no
ritmo, e parecia confusa quanto solicitada a repetir os mesmos. Assim
como suas colegas, não existia para ela o conceito de coreografia - ela
apenas dança. Isto é muito típico de outras ghawazee e esta
característica oferece um vívido contraste com as dançarinas
profissionais e professores no Cairo, muitos dos quais possuem um
conhecimento em dança clássica. A maioria destes profissionais, como
Mahmoud Reda (fundador e diretor do Grupo Reda no Cairo) e Daulet
Ibrahim (no passado membro do grupo folclórico nacional do Egito e
coreógrafa da bailarina Nagwa Fouad). Esses nomes acabaram se tornando
famosos no Ocidente como instrutores em workshops, assim como
responsáveis pela preparação e direção das estrelas em ascensão, que se
apresentam nos hotéis cinco estrelas e night clubs do Cairo, Alexandria,
Casablanca e Tanger. Apesar destes professores serem fluentes e muito
bem formados no estilo regional e folclórico da dança, eles criaram
shows com uma abertura inusitada para a modernidade, talvez em função de
ter um público mais sofisticado, acabaram por oferecer uma abordagem
mais elaborada, e porque não dizer ocidentalizada em suas criações.
Historicamente,
apesar de muitas ghawazee serem famosas e muito solicitadas como
artistas, sua raiz cigana era e continuou a ser um motivo para deixá-las
à margem da sociedade. Isto se deve aparentemente por duas razões. Em
muitas áreas do Oriente Médio, incluindo o Egito, o caráter moral das
dançarinas e músicos que se apresentam publicamente para platéias mistas
de homens e mulheres, é altamente suspeita. Muitas das dançarinas eram e
ainda podemos encontrar hoje outras que são, prostitutas, e, em
diversas épocas a palavra ghazeeya foi usada como sinônimo com a palavra
"prostituta" no Egito. No século dezesseis durante o reinado Otomano,
dançarinas eram categorizadas junto aos grêmios e grupos comerciais de
cortesãs para propósitos de taxação de impostos. Também por serem
ciganos eram vistos como estrangeiros ou forasteiros na comunidade em
que viviam, e portanto insatisfatórios para fazer parte do dia a dia da
comunidade. Isto é ilustrado claramente por um sério insulto, que pode
ser escutado até hoje na parte sulista do Egito, " yabn al-ghazeeya"
literalmente traduzindo "filho da ghazeeya". Isto acaba contribuindo
para o isolamento cultural e a resultante natureza estática da sociedade
Nawar, a qual isola suas tradições- incluindo as apresentações, e o
estilo ghawazee, das modernas e ocidentais influências, e ajuda a
preservá-las.
O
artigo de vestuário conhecido como casaco ghawazee, é talvez o mais
famoso traje usado por artistas de rua no Egito, graças a artistas
europeus como Gerome. Derivado de um traje que é no final das contas,
persa em sua origem, este casaco ou colete, teria sido introduzido na
parte norte ou baixo Egito com a expansão do Império Otomano no século
XVI. Outrossim, a maioria das descrições do casaco ghawazee, mostrando o
mesmo enrolado ou cortado logo abaixo do busto, são do século XVIII ou
depois desta época, o que permitiu pintores ocidentais ter sua própria
versão deste traje, eternizado em telas que contavam as impressões sobre
esta parte do mundo. Enquanto ensinava, Khaireeya usava um vestido de
corte similar ao que é chamado de "l'ancient tunic" por antrolologistas,
muitas vezes referido como vestido baladi por dançarinas. O colete e a
saia usada para apresentações, favorecida pelas ghawazee durante a maior
parte do século XX (o qual evoluiu do colete turco do séc. XVIII e foi
supostamente criado por ancestrais de Banaat Maazin) foi substituído por
vestidos com bordados e franjas e cintos similares aos usados como
trajes folclóricos no placo, e hoje em dia utilizados por bailarinas
profissionais no Cairo. Por outro lado, os mesmos trajes hoje usados no
Cairo derivam dos vestidos folclóricos cobertos por fileiras e fileiras
de franjas de canutilho e contas, que as ghawazee criaram para os shows
turísticos nos anos cinquenta.
Por
último, seria bom enfatizar o quanto este estilo de dança tem se
perdido. A contínua ameaça de violência em festas de casamento por
fundamentalistas religiosos tem destruído a tradição de contratar
dançarinas para as cerimônias de bodas em algumas áreas do Egito. Em
algumas ocasiões, as casas das famílias que contrataram uma bailarina,
foram literalmente postas abaixo por grupos enfurecidos.
Consequentemente, autoridades locais permitem a dança de forma
legalizada mediante uma concessão, entretanto, o que ocorre é que para
ter a autorização oficial, os requerimentos e impostos pagos são
altamente proibitivos! Nesta atmosfera, a genuína dança das ghawazee
pode desaparecer completamente, e apenas aquelas que tenham se esforçado
para aprender delas e reproduzir de forma verdadeira aquilo que viram,
poderão manter este estilo vivo em algum outro lugar.
Para
aquelas que desejam recriar uma forma tradicional de dança como a dança
de Banaat Maazin, tome muito cuidado para manter a precisão tanto
quanto for possível. Em troca, seu cuidado servirá para prolongar a
existência dessa forma histórica de dança, e mantê-las etnicamente e
tecnicamente distintas do gênero conecido como forma geral pelo nome de
dança oriental".
Escrito por Leyla bint ish-Shamaal e extraído do site de Lulu Sabongi.
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