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Tadashi Endo (direita) com o mestre de butô Kazuo Ohno,
falecido em 2010
REPRODUÇÃO/TADASHI-ENDO.DE
22/01/2015
Para ficar na memória
Na continuação da entrevista, o bailarino japonês Tadashi Endo acredita que é preciso falar sobre as dores
A dança butô, surgida no Japão do pós-guerra, foi criada como forma
de protesto à americanização do teatro e da dança japonesas. Criada por
Tatsumi Hijikata (1928-1986), foi disseminada no mundo a partir da
década de 1970. E bem distante da estética do balé clássico – e sua
beleza, suavidade e excesso de luz-, o butô segue na linha oposta
“porque a vida é cheia de dores e problemas” e o corpo não é apenas
feito de braços e pernas, mas de cantos entre os dedos e atrás das
orelhas, de umbigos e dobras, daquilo que acontece dentro dele e escoa
para fora, muitas vezes num movimento tão avassalador quanto um
terremoto ou tsunami. (Elisa Parente - elisa@opovo.com.br)
OP – O senhor costuma citar uma frase do (mestre de butô) Kazuo Ohno em que ele diz que “qualquer pessoa pode dançar butô”.
Tadashi
– O butô foi criado especialmente para o corpo japonês, que é diferente
do corpo latino-americano. Temos pernas curtas e corpos esguios, o
tronco tem uma curvatura que nos aproxima do solo. É importante lembrar
que a dança butô foi criada em um momento em que o Japão vivia o
pós-guerra. Portanto, se você não é japonês, não pode dançar aquele
butô, mas o butô não é tão exótico quanto o teatro nô e o kabuki
(manifestações culturais japonesas tradicionais). Quando trabalhei em
Salvador com atores e bailarinos do Olodum percebi uma energia muito
positiva. Mas a sensibilidade deles, é claro, difere da japonesa. Eles
mostram de maneira muito direta esta energia. Já os japoneses trazem
essa energia escondida.
OP – O senhor diz
que não há técnica para se dançar o butô. Que o corpo do bailarino é
como uma tela em branco onde o espectador projeta suas próprias
histórias e imagens. Como se dá a relação entre artista e o público?
Tadashi
– É claro que tudo o que fazemos no palco faz parte de um show, mas o
que queremos mostrar não é o que o público vê sob a luz cênica. Por
exemplo, se eu danço de maneira artificial, com bons movimentos, uma boa
técnica, talvez os espectadores se impressionem e batam palmas. Mas
depois, por quanto tempo o que eles viram ficará na memória? Muito mais
importante é que o público seja tocado e se recorde, através da dança,
de alguma memória ou experiência de vida, ou ainda de alguma dor que
possa emocioná-lo novamente. E sim, meu corpo é como uma tela em branco,
mas não demonstro nada da minha vida neste quadro. O público não irá se
conectar. É muito mais interessante que eles se enxerguem no meu corpo.
OP - Fukushima Mon Amour faz referência à catástrofe de Fukushima. O senhor pode falar sobre seu processo de composição?
Tadashi
– Quando a catástrofe aconteceu, eu estava em São Paulo. Quando
consegui voltar, fiquei tão frustrado, porque ninguém queria falar sobre
o que aconteceu. E eu não conseguia tirar aquela tragédia da mente.
Imagine que não faz muito tempo que o Japão sofreu um ataque de bomba
atômica e porque ninguém quer falar sobre isso? Porque o que move nossas
vidas hoje é o dinheiro, a economia, o capital. Por esta razão vemos
Alemanha e França vendendo armas para a Síria e a Arábia Saudita,
enquanto querem por fim ao terrorismo. É absurdo.
OP
– Vivemos em tempos de extrema intolerância. O senhor disse acreditar
que somente a união de todas as raças traria alguma esperança de paz.
Tadashi
– Só existe de fato uma chance. Dançar Fukushima Mon Amour é tão
doloroso, mas existe nele alguma esperança, principalmente para as
próximas gerações. E é isso que devemos passar a eles. E sim, unir as
pessoas é a única saída. Sabe, Dalai Lama disse: se nenhuma religião
existisse no mundo, a humanidade viveria em paz. Os fanáticos e
instituições como a igreja movimentam muito dinheiro e corrupção e este é
o problema. Bom, mas vamos lá. Na próxima vez a gente toma uma cerveja e
conversa mais.
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