quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Matéria com Tadashi Endo

Reportagem muito legal que saiu no "Jornal OPovo"

link: http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2015/01/22/noticiasjornalvidaearte,3380808/para-ficar-na-memoria.shtml

Tadashi Endo (direita) com o mestre de butô Kazuo Ohno, falecido em 2010
REPRODUÇÃO/TADASHI-ENDO.DE


22/01/2015

Para ficar na memória

Na continuação da entrevista, o bailarino japonês Tadashi Endo acredita que é preciso falar sobre as dores

A dança butô, surgida no Japão do pós-guerra, foi criada como forma de protesto à americanização do teatro e da dança japonesas. Criada por Tatsumi Hijikata (1928-1986), foi disseminada no mundo a partir da década de 1970. E bem distante da estética do balé clássico – e sua beleza, suavidade e excesso de luz-, o butô segue na linha oposta “porque a vida é cheia de dores e problemas” e o corpo não é apenas feito de braços e pernas, mas de cantos entre os dedos e atrás das orelhas, de umbigos e dobras, daquilo que acontece dentro dele e escoa para fora, muitas vezes num movimento tão avassalador quanto um terremoto ou tsunami. (Elisa Parente - elisa@opovo.com.br)

OP – O senhor costuma citar uma frase do (mestre de butô) Kazuo Ohno em que ele diz que “qualquer pessoa pode dançar butô”.

Tadashi – O butô foi criado especialmente para o corpo japonês, que é diferente do corpo latino-americano. Temos pernas curtas e corpos esguios, o tronco tem uma curvatura que nos aproxima do solo. É importante lembrar que a dança butô foi criada em um momento em que o Japão vivia o pós-guerra. Portanto, se você não é japonês, não pode dançar aquele butô, mas o butô não é tão exótico quanto o teatro nô e o kabuki (manifestações culturais japonesas tradicionais). Quando trabalhei em Salvador com atores e bailarinos do Olodum percebi uma energia muito positiva. Mas a sensibilidade deles, é claro, difere da japonesa. Eles mostram de maneira muito direta esta energia. Já os japoneses trazem essa energia escondida. 



OP – O senhor diz que não há técnica para se dançar o butô. Que o corpo do bailarino é como uma tela em branco onde o espectador projeta suas próprias histórias e imagens. Como se dá a relação entre artista e o público?

Tadashi – É claro que tudo o que fazemos no palco faz parte de um show, mas o que queremos mostrar não é o que o público vê sob a luz cênica. Por exemplo, se eu danço de maneira artificial, com bons movimentos, uma boa técnica, talvez os espectadores se impressionem e batam palmas. Mas depois, por quanto tempo o que eles viram ficará na memória? Muito mais importante é que o público seja tocado e se recorde, através da dança, de alguma memória ou experiência de vida, ou ainda de alguma dor que possa emocioná-lo novamente. E sim, meu corpo é como uma tela em branco, mas não demonstro nada da minha vida neste quadro. O público não irá se conectar. É muito mais interessante que eles se enxerguem no meu corpo.



OP - Fukushima Mon Amour faz referência à catástrofe de Fukushima. O senhor pode falar sobre seu processo de composição?

Tadashi – Quando a catástrofe aconteceu, eu estava em São Paulo. Quando consegui voltar, fiquei tão frustrado, porque ninguém queria falar sobre o que aconteceu. E eu não conseguia tirar aquela tragédia da mente. Imagine que não faz muito tempo que o Japão sofreu um ataque de bomba atômica e porque ninguém quer falar sobre isso? Porque o que move nossas vidas hoje é o dinheiro, a economia, o capital. Por esta razão vemos Alemanha e França vendendo armas para a Síria e a Arábia Saudita, enquanto querem por fim ao terrorismo. É absurdo.



OP – Vivemos em tempos de extrema intolerância. O senhor disse acreditar que somente a união de todas as raças traria alguma esperança de paz.

Tadashi – Só existe de fato uma chance. Dançar Fukushima Mon Amour é tão doloroso, mas existe nele alguma esperança, principalmente para as próximas gerações. E é isso que devemos passar a eles. E sim, unir as pessoas é a única saída. Sabe, Dalai Lama disse: se nenhuma religião existisse no mundo, a humanidade viveria em paz. Os fanáticos e instituições como a igreja movimentam muito dinheiro e corrupção e este é o problema. Bom, mas vamos lá. Na próxima vez a gente toma uma cerveja e conversa mais.



Nenhum comentário:

Postar um comentário